terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Amigo é pra essas coisas

José convidou Breno para uma pizza em sua casa. Ele morava em uma cobertura próximo ao centro de Belo Horizonte e gostava de compartilhar seu tempo de lazer com amigos. Breno trouxe um vinho como manda a etiqueta, mas aceitou cerveja gelada, coisa que gostava, principalmente num dia de calor como aquele.
-Breno, fiquei sabendo da sua viagem em Berlin! Parabéns, para um homem que nunca saiu do Brasil você anda bem arrojado.
-Sim, obrigado. Ando estudando alemão faz um tempo. Estou vendendo minhas coisas, vou me mudar para lá.
-Breno. Mais uma das suas eim? Quem te convenceu disso?
Breno estava tenso. Sabia que José seria impiedoso.
-Alguns amigos com quem conversei. Eles me disseram que seria ótimo morar na Europa, que as oportunidades são incriveis, além das praças, museus, as garotas...
-As garotas, Breno, as garotas!
José ria com sarcasmo enquanto levantou a cerveja fazendo um gesto de brinde.
-Breno, - continuou - A Alemanhã não é um lugar para qualquer um não meu amigo. Lá a competição é severa. O mercado de trabalho lá é acirrado, e não tem lugar pra gente despreparada. Você tem faculdade em que mesmo?
-Sou técnico em...
-Ah, meu amigo, técnico, na Alemanha? Achei que estivesse se formado numa faculdade meia boca, mas técnico? Sem chance. Eles te engoliriam lá.
-Olha José, eu acho que quem não arrisca, não petisca, e eu quero tentar mesmo assim. Afinal de contas, já vendi minhas coisas, e não tem nada que me segura aqui...
-Mas porque não falou comigo Breno, que pressa é essa? Você acha mesmo que é assim, ir, arrumar um lugarzinho, procurar um emprego e pronto acabou, já está estável, falando alemão, cheio de loiras te ligando para andar de bicicleta nos parques?
José fez um gesto de negativa com a cabeça. Formou-se um silêncio sepulcral, e José olhava para o fundo do seu copo, a cerveja já quente e sem espuma.
José continuou o seu ritual cáustico:
-Olha, não sei quem é que falou com você sobre esse papo de ir para a Alemanhã, mas não tá nada certo. Eles estão cheios de refugiados sírios lá, daqui a pouco o terrorismo vai virar uma paranóia na região e rapidinho você vai para a rua da amargura, se não acabar sendo deportado. E vou dizer, se marcar, seria ótimo para você, porque lá, desempregado, com aquele inverno rigoroso. Você já esteve na neve?
-Não - disse Breno desolado
-Ah, a neve só é linda nos filmes e nas casas dos ricos! Para quem não tem emprego, dinheiro nem qualificação, e ainda por cima é brasileiro, daí a coisa muda mesmo de figura.
Breno não suportava aquela ladainha toda. Deixou seu copo na mesa, agradeceu o convite e falou que tinha de ir embora. Por educação, lembrou-se de que tinha que buscar o cachorro da mãe no veterinário.
-Mas ainda tem pizza pra fazer meu amigo, não quer ficar mais quinze minutinhos?
-Não obrigdo, já vou.
-Pode ir então, Breno. Mas pensa no que eu disse, ok?
Breno foi embora, e de fato pensou. Pensou que José, era um canalha. Herdara a loja do seu pai e nunca precisou de fato pegar no pesado. Tinha sorte de ser um cara estudado e próspero, enquanto ele teve de ralar de garçom para pagar o colegial técnico. O cara conhecia o mundo inteiro, ia para as Bahamas, Pequim, Nova Iorque, enquanto ele, que queria um pouco daquela vida de sonhos, era escurraçado pelo amigo. Inveja, isso é o que era.
Virando uma esquina, Breno viu um mendigo pedindo comida. Viu uma garrafa de cachaça faltando dois dedos, e viu meninos atirando pedras nele, até que acertaram a garrafa. Viu a cara do homem, que tinha fome, e agora não tinha mais sua distração para aquela vida de merda. Breno enfiou as mãos no bolso, mas não tinha troco, acabou indo embora dando apenas um sorriso amarelo para o morador de rua. Da outra vez que passar deixo dinheiro, pensou. E isso lhe fez mudar seu raciocínio quanto ao que dizia José. Ele podia ser um almofadinha mala sem alça, mas era seu amigo de infância. O que José queria era alertá-lo sobre os perigos, deixar claro que as coisas eram difíceis lá fora. Mas ele tinha investido meses no seu alemão! Pensando bem, talvez não tivesse um alemão tão bom assim, e poderia passar um tremendo aperto. Breno voltou para a casa com uma opinião.

Seis meses se passaram quando José parou para tomar café numa padaria, e se surpreendeu com Breno no balcão:
-Breno, faz quanto tempo! Você sumiu! Achei que tivesse ido mesmo.
-Não, eu pensei bem, e resolvi ficar. Morar longe de BH não é pra mim.
-É, uma coisa é certo, meu amigo, você tem que ter coragem pra assumir ma posição. Eu sempre valorizei isso em você. E a oficina, desistiu?
-O Moreira já tinha contratado outro eletrecista. E com essa crise, tenho que dar graças a Deus em conseguir lavar copos aqui.
-Mas, sei lá, não estou vendo felicidade no seu olhar José. Tem certeza que não queria ir?
-Não, estou bem aqui.
-É que sabe, apesar de tudo o que te falei, pra alertar, pra chacoalhar seus ânimos, tem o outro lado. Sempre tem gente que vai, com uma mão na frente e outra atrás e se dá bem...
-José,
-...tem gente que dá a volta por cima, mesmo porque qualquer graninha que guardar lá, é em Euro, cinco vezes mais que o real do Brasil.
-José,
-...e além do mais, pra quem não tem nada a perder como você, o que é que custa arriscar?
-JOSÉ - se exaltou Breno, para espanto do amigo.
-Desculpe, Breno, é que, eu queria te dexar pra cima, você está meios caidão...
-José, me escuta.
-Sim Breno.
Breno olhou bem fundo nos olhos de José, que estava estupefado por todo aquele papelão. Viu que atrás dele limpava o chefe do balcão limpava um copo e observava a conversa, então Breno deu um respiro profundo e meneou a cabeça.
-O que vai querer, José, café puro ou com leite.
-Com leite, por gentileza.
Breno trouxe o copo para ele.
-Açúcar ou adoçante?
-Adoçante, estou de dieta.
-Aqui está.
José tomou seu café com leite silenciosamente. Pôs o dinheiro sobre o balcão, deixando uma generosa gorjeta, afinal sabia que Breno estava duro e precisava de um apoio moral. Então levantou-se e falou, já na porta da padaria.
-Breno eu vou indo então, mas pensa no que eu disse, ok?

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