Blazer azul marinho
gasto com seis botões dourados, três outros em cada gola, sapato meio surrado no pé, calças sociais cinza chumbo
dignas, apesar de idosas. O senhor está angustiado no telefone, fala algo sobre
ter perdido o telefone , ter perdido o outro número porque lhe sumiu a agenda
de trabalho. Apela paro o longo histórico profissional entre os dois, mas seu
interlocutor está irredutível. Enquanto expõe seus argumentos, deixa escapar um
suave sotaque nordestino, algo que notavelmente só traz um pouco de nostalgia
ao diálogo, visto que muitos dos seus sessenta e poucos anos de idade foram
vividos aqui em terras paulistas. Abranda os argumentos, escuta mais, só abre a
boca para concordar. Eu sei, ele abusou da sorte, mas foi só isso, eu lhe
garanto, ele não fez nada mais que isso. Concorda mais algumas vezes, sendo
pouco a pouco derrotado pelo interlocutor, sabe que não tem mais cartas na
manga. O erro foi crasso, sua experiência de longa data não pode tirá-lo dessa
situação. Cita alguns fatos ultrapassados, tentando trilhar um novo caminho,
pelos bons tempos. Não, não, o Dr. Eleutério desistiu da eleição, acha que não
tem mais jeito. Ter sido assessor durante tanto tempo me fez ver muita coisa,
diz, essa eu não esperava, peço que justamente reconsidere. Baixou cabeça, como
vira-latas baixa o rabo. Apertou o telefone retangular de botões obsoletos,
enquanto o depositava no balcão. Aparelho tão ultrapassado quando ele, e essas
coisas velhas sempre acabam por ser substituídas. As coisas mudam, necessidades
são saciadas de novas formas, dançarinos precisam saber dançar as músicas da
moda. Enquanto pagava meu café, escutei ele cancelando o pão na chapa e pedindo
um conhaque no lugar. Duplo, o mais barato, pra sobrar pro bilhete de metrô.
Fui embora sem olhar pra trás.
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