Um gato preto passeava num muro incendiado pela lua cheia, vagaroso, observando detalhes dos telhados das casas que via desse ponto privilegiado de vista.
Um cachorro peludo e desgrenhado, mais parecido com o cruzamento de ovelha com as vira-latas das vielas, observava o gato, quieto, ali em baixo do muro, esperando o gato saltar, só pra pregar-lhe um susto daqueles.
Um ratinho cinza, assustado, com o coração pulando como dançava em adrenalinas mil de mil medos, estava em uma fresta escura, só de focinho pra fora, esperando avidamente o cachorro ir embora para cuidar dos problemas da sua vida.
O tempo passava, o gato andava de um lado para o outro do muro, o cachorro abria a boca de tédio e o ratinho tilintava de ansiedade e de todo sustos.
Pôs-se o gato a miar, miar pra rua, buscando uma fêmea que pudesse dar-lhe a prática de uma noite de núpcias. Segurou o cachorro o uivo para lua, que sabia ser bela, mas seu tributo tinha espera da caça na espreita.
E o rato, que puxa, esse rato, que só fazia esperar e esperar, com toda a sua fome e desejos de sobreviver nesse mundinho hostil. Vai não vai, vai não vai, foi, pata ante pata, tentando atravessar o canino amedrontador.
Eis que uma janela se abriu, e uma bota voou, assoviando seu caminho na cabeça do gato, certeira, deixando miado e tranco num rodopio, jogando o bichano feito dado viciado em cima do cachorro, que estava quase cochilando, e que agora latia num susto, escuso de garras de felino nas costas, pulando de surpresa e dor! O rato tão próximo todo se arrepiou, estalou mais ainda os olhinhos e paralisou quando viu que o gato naqueles xiliques o havia avistado, e feito juras num contato visual.
Quanta confusão, quanta agonia! Se todos girando num pião justo de comoção da briga armada, gato, cachorro e rato correndo atrás uns dos outros, percebessem o cheiro do pavê proveniente daquela janela aberta.... e no final, perceberam: um odor de comida típica, característico tapa na cara dos três animais famintos.
A briga acalmou, todos se aquietaram, levantando seus focinhos para sentir os sons daquela sinfonia olfativa..... e pouco a pouco cada um foi... do seus jeito, meio que de lado, embora.... pensando em suas melancolias gastronômicas que só o pavê podia proporcionar, naquela hora, naquela janela tão inacessível quanto o coração dos homens, o santo graal das guloseimas (CONTINUA)....