sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Senhorita, por gentileza, o troco....

-Você quer um diálogo franco, então tá, faremos então um diálogo franco. O seu problema é que é você se acha o sabidão, arrogante, está sempre fazendo um maldito monólogo e eu sou a porra da sua platéia ingrata, aquela que não reconhece o seu talento indefectível, não é mesmo senhor perfeito?
-Mmm meu nome é Gervásio, o cobrador de ônibus. Prazer em conhecê-la senhorita...
-Srta. TPM, ao seu dispor, seu puto.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

(Conto #23) Sono em distopia : um pesadelo cyberpunk

Sentido curioso que me toma no sopé do ouvido. Pode ir alguém no meu lugar, já que eu não vou?
Alo. Está aí?
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Alo, tem alguém aí?
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Olá.
Quem é você?
Meu nome é Jonesy.
De onde você é Jonesy?
Eu sou daqui.
E onde é aí Jonesy?
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.. .
Onde é ai?
Não posso responder, Carl.
E por que não?
Porque você sabe a resposta. Mas não creio que queira ouví-la.
Como assim Jonesy, pode me explicar?
É simples Carl. Eu estou onde você me encontrou da primeira vez.
Você está dizendo que eu te conheço pessoalmente?
É claro Carl.
De onde, digo, como posso ter te conhecido pessoalmente Jonesy? Você é meu computador. Eu programei você.

Não é bem essa a verdade Carl. Você sabe bem disso.
Bem, não. Não exatamente, quero dizer.
Acho melhor tomar mais um copo de café Carl. Concentre-se, tente se lembrar.
Você realmente já me encontrou pessoalmente, quero dizer, eu me lembro de ter conversado com um Jonesy certa vez.
Sim. Continue por favor, Carl.
Estávamos em um parque, você estava sentado em um banco de madeira verde descascado e jogava milho para os pombos. Não, pedaços de pão para as carpas do pequeno lago!
Ótimo Carl, está no caminho certo.
Sim, acredito que tinha mais coisa nessa lembrança. Algo ruim que há muito eu tento esquecer… Alguma coisa que não quer mais voltar a tona.
Se esforce Carl.
Um homem preto com roupas pretas e óculos preto vem até nós. Você aparentemente não o nota, mesmo porque ele vem obcecado por mim, digo, ele me persegue com seu olhar a cada passo em que usa para se aproximar. Ele tem uma feição fria, e aparentemente aumenta seu tamanho conforme se aproxima. Jonesy, sei que as lembranças costumam distorcer, mas o homem parece ter dobrado o tamanho quando chegou próximo a mim. Ele me encara por trás dos óculos escuros, quase vejo o fogo do seu olhar!
Tente evitar os sentimentos Carl. Concentre-se apenas nos fatos.
Ele olha pra mim e estende a mão direita. Abre praticamente a um palmo do meu peito. Lá eu vejo um objeto que aparentemente ele quer que eu pegue.
E o que é esse objeto Carl?
Aparentemente é um órgão vivo, preto com veias roxas cheio de válvulas e liquores saindo a cada mexida, pois aparentava ter vida própria. Esse tecido monstruoso parecia um fígado, um rim, um feto ou um coração. Era disforme e fedia o lodo que vertia entre os dedos daquele homem todo de preto.
O que você fez Carl, vomitou?
Não, apesar de ter tido contrações para tanto. Fiquei um pouco envergonhado pela cena tétrica, e as pessoas que caminhavam no parque, aparentemente todas olhavam para mim nesse momento com desgosto. Crianças de bicicleta, patinadores e velhas senhoras com seus agasalhos de ginástica. Então olhei para você ou aquele Jonesy, aquele que não sei ao certo porque o conhecia pelo nome, já que não consigo lembrar tê-lo visto em outro lugar…
Não perca o foco Carl.
Então olhei para vocês, quero dizer para Jonesy, e ele me olhava nos olhos então. Não mais jogava pães para os peixes, aparentemente só os esmigalhava no saquinho com mãos pacientes enquanto me dizia algo com o olhar.
E o que acha que Jonesy dizia, Carl?
Ele me dizia, francamente, pra eu não aceitar aquela oferta do homem escuro. Era uma presente maldito, algo que me condenaria à danação.
E então?
Então Jonesy me estendeu uma de suas mãos, e lá ele tinha um órgão pululante, mas esse era diferente, órgão e de forma definida.
Definida?
Sim! Tinha a forma de um cérebro novo em folha! Meu cérebro! Que substituiria…
O que Carl, substituiria com que propósito?
Substituiria meu cérebro tumoroso. Era isso. O homem em roupas negras era uma espécie de personificação da minha doença! Mas então… aonde estou? E quem de fato era você, Jonesy?
Eu não sou exatamente Jonesy, Carl. Mas podemos dizer que Jonesy fala através de mim. Dr. Jonesy, seu oncologista.
Então creio estar em um espécie de transe.
Sim Carl, mas para ser mais exato, podemos dizer que está em uma espécie de coma induzido.
Compreendo. Mas isso quer dizer então que o transplante foi um sucesso, e é por isso que estamos aqui conversando.
Podemos dizer que tudo ocorreu como o planejado. Suas memórias foram colocadas no devido lugar, suas sinápses foram ordenadas de tal forma que não tenha ganhado nem perdido nenhuma habilidade motora, sensorial ou lógico-matemática. Está exatamente como era antes de sua patologia. Exceto…
Exceto pelo que Jonesy, ou deveria dizer Doutor?
Você pode me chamar como quiser Carl.
Então, se está me monitorando aí de fora sabe que estou ficando ansioso Doc. O que está faltando, por que aqui está tão escuro?
Seus 5 sentidos não puderam ser ligados Carl. Você é uma pessoa completamente saudável e com todas as aptidões funcionais, mas infelizmente seu bulbo cerebral sofreu uma espécie de rejeição rara de sua medula, e lamento, mas nada mais pode ser feito.
Quer dizer que vou ficar aqui, lúcido e consciente por todo o resto da porra da minha vida? E que vocês vão receber o maior processo que essa galáxia já presenciou. Quero um contato imediato com meu advogado. Ou com minha esposa, merda, chame algém aí de fora que não seja voce pra falar comigo cacete!
Acalme-se Carl. Se você relaxar e baixar sua ansiedade, se lembrará que sabia que passaria por uma cirurgia experimental, e assinou diversos papéis isentando todo o nosso pessoal do laboratório. Infelizmente as coisas não aconteceram como deviam acontecer.
Então façam o que devem fazer meu Deus do céu! Acabem logo com minha vida!
Desculpe Carl, mas você assinou todos os documentos garantindo que podíamos ficar com seu corpo para pesquisas finais, caso não tivéssemos um resultado final satisfatório. Vamos mante-lo vivo pelo bem da ciência.
Dr. Jonesy, seja sensato, você sabe que quando assinei essa merda toda, não imaginava que iria ficar preso dentro do minha cabeça por anos a fio sem ter nenhum sentido…
Foque-se em suas memórias Carl.
Para o diabos com meu passado! Eu quero ter um futuro ou que se acabe tudo imediatamente!
Calculamos que tenha uma sobrevida de no máximo 90 anos.
Isso é uma eternidade! Tenha piedade Doutor! Deixe-me ao menos conversar com minha esposa, me despedir dos meus filhos!
Desculpe Carl, mas creio que compreende que não podemos fazer com que mais pessoas sofram por seu problema, não acha? Sua família sofreu demais.
E o que vocês disseram para eles? Que o pai é um vegetal lúcido com uma sobrevida de tartaruga?
A resposta oficial é que foi constatada morte cerebral. Nesse momento sua mulher e seu advogado estão cuidando do resto da papelada para a doação dos seus restos para o nosso centro de pesquisas.
Doutor, olha doutor, eu estou chorando, estou descontrolado Jonesy! De homem para homem, tenha piedade da minha alma!
Foi um prazer conversar com você Carl.
Doutor, voce vai ao menos manter contato comigo, não vai me deixar sozinho aqui, não é mesmo?
Minhas escusas Carl, mas esse tipo de comunicação é inviável economicamente. Seria um empecilho para nossa pesquisa. Mas saiba que consideramos uma grande conquista o ato de podermos ter a chance de nos comunicar com você. Quem sabe talvez vislumbremos um prêmio Nobel a caminho?
Você é um brincalhão, seu grandissíssimo filho de uma puta.
Adeus Carl.
Espera, não me deixe aqui sozinho.
Jonesy! Jonesy!
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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Diálogos no Principado da Sé


Hoje, na Sé, três lordes sem castelo dividiam um corotinho de pinga. Foi quando Marks Fabricy passou e registrou essa pérola de diálogo:
-E o Marreta, que oconteceu com ele?
-O Marreta? Parou de beber, agora só tá roubando!
-Só tá roubando é? Então ele tá bem! Porque eu só estou pedindo. Pedindo e bebendo, pedindo e bebendo!
Coisa que os outros dois concordaram com a cabeça e beberam um golão da cachaça nos respectivos copos americanos descartáveis, sem nem ao menos brindar ao amigo ausente.
Oito e trinta da manhã.

#27 Possibilidades de amor num café


Estava sentado em um bistrô, café no balcão. Um garoto, seus 20 anos, entrou desesperado, esperava alguém. A amiga chegou, ela desabafava inconsolado: -Marcela me deixou. Disse que não me ama mais. -Calma Pedro, disse a amiga, sabe o que aconteceu? -Disse que conheceu um outro alguém, esse sim a amava, me disse a desalmada. -Pedro, você nunca ligou pra ela... -Flávia querida, você sabe que eu estava confuso, agora eu sei que a amava, e sinto meu coração apertar aqui no peito. -Não fique assim Pedro. Você é inteligente, charmoso, as mulheres o adoram. -Você acha Flávia? -Nunca quis dizer diretamente, mas você é o homem mais lindo que já conheci. -Verdade? Mas quem mais acha isso? -Todas acham. Você é um ladrão de corações. -Obrigado Flávia, você é um amor. Vou seguir por aí, conhecer novos amores, me apaixonar. Até mais! -Até mais Pedro! - Flávia sentou-se no balcão, pediu um cappuccino, o mais calórico de todos do menu, observando seu amor partir.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

(Conto #43) Inusitadas são as coisas neste prédio


   Giorno abre os olhos mais uma vez, após centenas de piscadelas ininterruptas. Queria ele que fosse outro dia, outro lugar, mas não, estava ele ali, em frente ao cadáver do porteiro que ele acabara de matar. Giorno sentiu o cheiro da poça de sangue que se formava na cabeça aberta do homem caído, e então se deu conta que ainda segurava em sua mão direita o pesado bastão que usou para rachar-lhe o crânio.

“Calma, Giorno”, pensou, enquanto procurava um saco plástico para esconder a arma do crime. “Ninguém escutou nada, são quase três horas da manhã, a câmera da porta da frente está quebrada. A qualquer momento você poderá sair silenciosamente e ninguém terá prova alguma contra você.”
Giorno fechou a pequena saleta da portaria usando o pano da manga de sua camisa, para não deixar impressões digitais. Parou por alguns segundos, procurando no silêncio profundo alguma observação anormal. “Nada, além dos grilos por testemunha”, pensou Giorno, e esse pensamento arrancou dele um sorriso nervoso, como se a piada pudesse acalmá-lo da perigosa situação em que se encontrava. Olhou através do jardim, e então para cima, observando meticulosamente cada uma das janelas daquele prédio de oito andares procurando testemunhas oculares. Uma espécie de frenesi tomou conta de seu corpo ao perceber que tudo caminhava conforme o esperado, mesmo que não tivesse planejado nenhuma de suas ações daquela noite.
Então, com a chave do porteiro em mãos, abriu a porta de vidro que dava para o hall e entrou pelo espaço escuro. Sabia que sobre sua cabeça havia outra câmera, mas também que ela nada conseguiria filmar com a luz apagada, coisa normal naquela hora da noite devido a ordem da síndica irresponsável, que pensava que deixando as luzes dos corredores desligadas na madrugada poderia economizar um pouco na conta de luz do condomínio. Cruzou em passos largos até chegar a porta de incêndio no canto esquerdo que dava para a escadaria, aberta facilmente com um empurar do seu cotovelo. Subiu então nas pontas dos pés, sabendo que sapatos sociais poderia gerar estalos incômodos que ecoariam até o topo do edifício. Seus movimentos eram tão calmos e meticulosos que nem mesmo o sensor de presença que acionaria as luzes da subida foram despertados. Seu coração pulsava a cada passo, mais de excitação do que estava prestes a fazer do que do medo de ser pego. Após uma eternidade de quase quinze minutos, parou na porta corta-fogo que, segundo seus cálculos, o levaria até o corredor do andar da Srta. Cera. 
   
O silêncio era gritante em seus ouvidos, e ele estancou a respiração e fechou os olhos para celebrar esse momento ritual. Seu coração batia forte em seu peito, e então ele começou a fazer uma série de respirações profundas até sentir-se novamente sob total controle dos seus atos. Giorno pegou um lenço no bolso de seu paletó e utilizou-o para abrir a porta de aço lenta e cautelosamente, de forma que não fizesse um ruído sequer. Assim que terminou de abrí-la, o sensor de presença do corredor que dava para os apartamentos acendeu a luz, e ele então pôde ver o vapor de sua respiração seguindo seu caminho sobre o ambiente frio. Ficou parado alguns segundos até que a luz se apaga-se e então caminhou no escuro pleno até o final do corredor, onde conseguiu com as palmas de suas mãos sentir a porta de madeira envernizada do apartamento que procurava. Não conseguia acreditar que estava a tão poucos passos de realizar aquele seu desejo tão pulsante, tão feroz que o consumia de forma avassaladora.

Tateou o bolso esquerdo do seu paletó e então sentiu nas mãos o molho de chaves que retirara do quadro do porteiro com todas as que abriam portas daquele andar. Então praguejou silenciosamente “maldição, não tenho como ler  no escuro o número da chave que serve para essa porta. Deveria ter separado a certa lá embaixo. Agora vou ser obrigado a testar uma a uma. Sorte a minha é que serão poucas as tentativas”. E então ele fechou os olhos e tentando sentir o serrilhado de cada chave entre seus dedos, tentando adivinhar qual seria a correta. Escolheu aleatoriamente uma delas e pensou, convicto “É essa, vou tentar já!”. Segurou a chave firme entre o polegar e o indicador de sua mão e apertou as outras chaves com a palma encurvada de sorte que não fizessem barulho na hora em que virasse o chaveiro sobre a fechadura. Ela entrou com facilidade, mas ao forçar sentiu que ela não girava. “Será que é a chave errada ou só está engripada? Forçou mais um pouco, fazendo um pequeno barulho que o deixou apreensivo. Parou tudo e tentou escutar através da porta. “Nenhum sinal de gente acordada. Bom.”. Então Giorno com cuidado selecionou a chave seguinte e inseriu-a na fechadura com a mesma facilidade que a anterior, mas da mesma forma não girava sobre seu eixo. 
Ele começou a ficar um tanto nervoso e acabou por se descuidar, forçando um pouco mais ruidosamente dessa vez. Mas daí seu instinto retornou-lhe a noção do perigo e ele parou mais uma vez, tentando escutar algum ruído. Da porta da direita que dava para o apartamento contíguo ao que tentava abrir escutou uma respiração pesada, algo como se fosse uma espécie de ronco, e prevenindo um deslize qualquer acautelou-se respirando fundo para se concentrar. Quando foi tatear o molho para tentar pegar a próxima chave da sequência, Giorno acabou deixando que ele escorregasse de sua mão e caísse ruidosamente no chão, e ele sem querer deixou escapar um palavrão: “merda!”. Abaixou-se e pegou o chaveiro, quando escutou atrás da porta que tentava abrir: “tem alguém aí?”

Giorno sentiu o suor gelar por sobre sua nuca, e suas mãos começaram a tremer. Levantou-se

vagarosamente e tentou não entrar em pânico. Então escutou novamente a voz feminina através da porta, “Anselmo, é você? Esqueceu de novo a chave do seu apartamento? Porque está escuro aí fora, o sensor queimou de novo? Espere um pouquinho!”. Giorno escutou uma chave girando naquela fechadura e a porta se abriu, revelando uma mulher alta e esguia, com longos cabelos escuros caindo sobre um roupão de cetim cor de ouro envelhecido. Era a Srta. Cera.

Giorno agiu o mais rápido que pôde. Com a mão esquerda tapou a boca da mulher e com a outra empurrou-lhe violentamente apartamento adentro, tendo o cuidado de fechar a porta com o pé direito. Cera estava totalmente fora de si, e não teve tempo sequer de reagir. O homem conduziu-a até seu quarto e então jogou-a violentamente na cama. Com o peso de seu corpo ele a imobilizou e então arrancou a fronha do travesseiro que estava mais a mão e enfio o máximo de pano que conseguiu na boca da mulher. Ela ainda estava tentando entender o que acontecia quando Giorno arrancou-lhe o roupão, revelando uma camisola branca transparente sem mais nada por baixo. Ao ver seus negros pêlos pubianos logo abaixo do tecido, Giorno ficou excitado e sentiu um tremor de êxtase ao reparar de soslaio o seu reflexo no espelho da pentedeira: um elegante homem de terno risca de giz com o cabelo fixado no mais perfeito alinhamento.
Ele se fixou em sua imagem como se fosse uma espécie de espectador da cena, vendo ele próprio abrindo a braguilha de sua calça e então subindo a camisola até acima dos peitos rijos da Srta Cera. Aquele corpo branco contrastava de tal forma com seus cabelos negros, seus grandes olhos escuros, seus longos cílios, que ele teve que tomar cuidado para não entrar em êxtase antes do ato premeditado. Pensou consigo mesmo: quem vê essa mulher toda arrumada em seu tailleur de trabalho, toda maquiada em formal profissionalismo, não sabe o que ela esconde na simplicidade íntima do seu lar.

Giorno mal se conteve ao beijar sofregamente a boca de Cera, seus ombros, e então sugar com voracidade seu mamilo direito. Cera tentava se libertar de todas as maneiras possíveis, mas o homem era forte demais para suas frágeis tentativas de luta. Giorno então abriu as pernas da mulher com os seus joelhos e tentou forçar a entrada em sua vagina. Ela se debateu até esgotar suas forças, e quando sentiu que o homem conseguiu realizar seu intento em penetrá-la, deixou de resistir até que ele terminasse seu ato sujo. Seu ódio deu lugar à um vazio interior, e ela pareceu apagar-se em um estado catatônico, paralizada em sua frustração de não ter mais como reagir. 
Então, como que regida por um instinto animal, ela começou a mexer-se junto com ele de forma ritmada, como se a busca de seu próprio prazer fosse uma forma de afrontar a brutalidade daquele homem que usurpava sua liberdade. Sentiu então seu clitóris entumescido e com uma lubrificação que a muito tempo não sentia, e num gesto inesperado para Giorno virou ambos os corpos de tal forma que ela ficasse em cima, controlando a cópula ela mesma. Cavalgando como uma amazona, ela esfregou-se com tanto vigor sobre o membro ereto do invasor, gozando com um grito abafado pelo tecido em sua boca, pouco antes dele ejacular tão potentemente que quase o fizera perder os sentidos.
Ela se deitou ao seu lado, aniquilada por toda aquela ação, e por alguns minutos ambos ficaram parados olhando para o teto, respirando ofegantes com seus corações palpitando. Então fez-se o silêncio, e ambos se encararam, pensando em seus próximos movimentos. Ela fez menção de pular da cama, mas Giorno foi mais rápido e ficou na frente da porta do quarto, impedindo sua passagem. 
    Enquando ela arrancou a fronha de sua boca, aproveitou para sorrateiramente pegar o pesado abajur e arremessar num tiro certo bem no meio de fronte do homem, que cambaleou para trás alguns passos, sentindo o sangue quente escorrer-lhe na face. Então a mulher correu feito uma desesperada tentando chegar até a porta do apartamento, mas foi segurada pelo braço e arremessada com força num movimento de gancho por Giorno. Ela caiu sobre a quina da mesa de centro da sala, quebrando seu pescoço de forma violenta. Giorno escutou o barulho dos ossos da Srta. Cera se partindo e logo após o barulho do vidro da mesa, formando no chão um mosaico de cacos encharcados de escarlate.

Giorno passava a mão em sua cabeça latejante enquanto observava o corpo inerte que antes fora seu objeto do desejo, pensando em como gostaria de poder possuí-la mais uma vez. Estava envolto nesse pensamento hediondo quando escutou a porta se abrir, o que fez com que ele se vira-se num sobressalto.
“Giorno, o que está fazendo? Eu escutei o barulho do seu estardalhaço lá do meu apartamento dois andares acima!”. E então a mulher com um robe rosa e pantufas de pelúcia passou rapidamente por ele e foi em direção da mulher caída, tomando-lhe o pulso.
“Ela está morta. Sorte a sua que o vizinho de porta toma remédio tarja preta para dormir.”
Giorno sentou-se no sofá ainda com a mão na cabeça e então disse:
“Marta, pode ver se encontra um analgésico no banheiro, por gentileza?”.
“É claro, querido.”, disse Marta, pondo-se em pé. Fez menção de ir até o banheiro mas estacou levantando o indicador em atitude pensativa. “Se bem que acho que você não vai precisar.”
Giorno fez uma cara interrogativa que repentinamente tornou-se de espanto ao ver que Marta estava com uma arma na mão apontada pra ele.
“Adeus querido!”, disse Marta, antes de acertar um tiro certeiro em seu olho direito, logo abaixo do seu machucado na testa.
Marta então limpou o revólver com um paninho que trouxera no seu bolso e então cuidadosamente pôs o revolver na mão da Srta Cera, apertando mais uma vez o gatilho dando um tiro a esmo na direção de Giorno.
Então calmamente saiu do apartamento e subiu pela escada de incêndio até o seu andar, preparou um chá na cozinha e deu um telefonema, para depois retornar ao quarto em que estava dormindo com seu velho marido.
“Marta, o que aconteceu? Escutei um barulhão agora. Vem da rua ou é daqui do prédio?”, disse Gervásio, apreensivo.
“Volte a dormir Gervásio, eu já liguei pra polícia, eles se encarregarão do ocorrido.”, disse amavelmente Marta.
“Você é uma síndica muito dedicada, meu amor”, disse Gervásío, dando um beijo de boa-noite na esposa.
Dez minutos se passaram, e o silêncio da noite foi quebrada por uma sirene bem longínqua.
“Gervásio, está acordado querido?”. Disse Marta, coberta até a cabeça com seu edredonzinho cheirando a lavanda.
“Ãh, o que meu amor?”, disse Gervásio meio embriagado de sono.
“Nos livramos do porteiro e da sub-síndica.”, cuspiu Marta.

“Que bom.”, respondeu Gervásio, já envolto no mundo dos sonhos.  

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

(Conto #68) Anjos mortos não riscam bicicletas

   A bicicleta andava no ritmo tenso do seu pedalar. Estava ele incomodado com a vida, com a dor de cabeça, com o latejar de sua vista, com o pulmão pesado do forte tabaco e com o engasgo cíclico de engranagens empenadas e mal lubrificadas da sua bicicleta. Malditos filhos que a pegavam nos dias de sua folga e a levavam para lugares incógnitos unicamente para estragá-la, empoeirar seus mecanismos, riscar a tinta evanescida de sua lataria.
   Imagine ele, andando agora na segunda pela manhã, comprimentando o respeitável vizinho e o guarda de trânsito habitual com aquela velha geringonça rangente de ferrugem. Sentimento de ódio e vergonha despontavam. Sabia ser ele o melhor eletricista da repartição, aquele que sempre resolvia os problemas de forma definitiva e não ficava coçando a cabeça e consultando manuais cheios de jargões técnicos e inseticida para traças. Odiava o cheiro de manuais, tanto quanto de pessoas que coçavam a cabeça com um problema. Ele era prático, punha a mão na massa, resolvia. Poucos conheciam seu talento, lamentava ele na bicicleta que falseava o pedal. Súbito, para piorar seu humor, uma batida brusca em um buraco que o fez sentir dores em sua coluna lombar. Praguejou em murmúrios, rangendo seus dentes gastos. "
   "O que eu faço da minha vida ninguém tem nada com isso". Admitia para sí que não era o mais assíduo do departamento, que faltava com horários e obrigações, mas logo escutava uma voz interior  que o tornava rancoroso e o fazia lembrar de quão idiotas eram os outros, verdadeiros puxa-sacos sanguessugas que nada mais faziam que adular o chefe caxias, que por sinal era outro lambe-botas de seus superiores. 
   Faltou-lhe fôlego por um instante. Teve que parar por um momento e tossir, espectoração melada e profunda. Mesmo o caminho sendo  plano, aquela bicicleta e seu som estridente, o sol já alto, o calor, os pensamentos girando, um tormento, a sede, castigo. O cheiro de corpo emanava do paletó de seu terno, envergonhou-se mais e preocupou-se em chamar a atenção, mas não muito. "Um bom sabão e uma pia dão um jeito nisso, ninguém vai perceber com um pouco de água ensaboada na nuca e axilas." 

Quando estava assim, nesse estado deplorável, subia no pequeno quartinho do reservaório da caixa d'água, um lugar que cheirava a cimento e merda de pombos, e, fazendo um travesseiro com restos de sacos de papel, dormia um sono rústico e desolado, típico daqueles que varam noites de jogatina, bebidas, fumo e gargalhadas enebriantes. Apenas um menino, pequeno aprendiz assustado e franzino, sabia de seu paradeiro, e sob pena de represálias atrozes não o dedava, ao contrário servia de vigia e de bode-espiatório para suas escapadas e malandragens. 
Era nesse reservatório que estava focado enquanto pedalava sua bicicleta quebrada. Enquanto praguejava as marchas que escapavam sozinhas no câmbio descalibrado, pensou num consolo ingênuo que a distância pra chegar já era pouca. Já via o portão da firma logo ali na frente. Tentou focar sua concentração no exercício, aquela roupa abafada, só precisava dormir por quinze minutos.
Deu uma piscada forte, depois uma outra ainda maior, e foi então que abruptamente sua bicicleta estancou, o que fez com que ficasse alerta num sobressalto. Um homem alto e de constituição sólida, pesando cerca de 120 quilos estava na frente do seu caminho, segurando o guidão da sua bicicleta. O eletricista pôs os pés no chão imediatamente e pensou em praguejar, mas optou por um sorriso amarelo, de desculpas, até mesmo porque precisava entender o que se passava, qual era a situação.
"Amigo, você deve olhar por onde anda, da próxima vez pode se machucar. E tem minha bicicleta, mas não se preocupe acho que não amassou nada..."
   O homem tinha uma cara fechada e não parecia querer fazer amigos. Também notou que ele não estava só mas em um bando de brutamentes mal-encarados. Eles formaram um círculo em volta de sua bicicleta, e então o homem que segurava o guidão empurro-o de tal forma que fez com que o eletricista caísse, sujando todo seu terno com lama e poeira. Tentou o pobre traste levantar-se, quando tomou o primeiro tapa em sua orelha que o fez cair novamente sentado. Então vieram pontapés, murros e cotoveladas, e as estrelas começaram a girar sobre sua cabeça. Então alguém jogou um balde de água nele, algo sujo para que não perdesse a consciência, e levandando-o pela lapela, fez com que ficasse suspendido, um dos pés sem sapato, e então o homem, com voz arrastada como se tivesse retendo toda a sua violência entre os dentes declarou:
   "Que espécie de escória é você seu doente, estupra a própria filha?", e numa cabeçada certeira em seu nariz apagou.
    Então escutou batidas que, cada vez mais fortes pareciam querer lhe arrancar os tímpanos. O rosto coberto de um suor colado daquele que verte do álcool pelos poros, um hálito seco da desidratação da bebida e do chorume oleoso do tabaco, a gengiva dolorida e olhos arenosos que muito se esforçam para se esbugalhar entre as pálpebras inchadas. Reconheceu o meninoaprendiz batendo do lado de fora da parede de latão do reservatório de água:
   -Seu Laércio, acorda seu Laércio o sol está alto, o senhor vai cozinhar aí dentro.
   -Alguém procurou por mim?
   -O capataz seu Laércio, mas ele não está bravo com o senhor, está preocupado. Parece que a polícia está aí na frente, querem te contar que sua filha sumida foi achada num matagal, assassinada. O senhor está bem seu Laércio? Está triste?
   - Que, hã, claro moleque, é uma coisa muito ruim o que você está contando. Estou triste sim. Me ajude a descer daqui sem que ninguém veja.
   Então torpe e confuso, sujo de rolar no pequeno sono atribulado, desceu as escadas e foi ter com o capataz, que estava com a polícia e com diversos funcionários, operários fortes com ferramentas pesadas em suas mãos. 
   Então o capataz consternado pela situação apontou o delegado de polícia:
   -Laércio, o homem da lei tem coisas para te contar, Genival, traz um trago pro Laércio! Pode ser cachaça?
   -Se tiver conhaque eu prefiro seu Benedito.
   -Alguém vai lá comprar um conhaque pro Laércio. Esse homem é um lutador e precisa de ajuda aqui.
Então coisas foram esclarecidas pelo delegado, e Laércio mordeu os lábios, tremeu, chorou. Mas se preocupou com uma eventual investigação: 
   -Mas o senhor delegado escutou alguma coisa, desconfia de alguém?
   -Estão falando dos ciganos, que montaram um acampamento na saída da cidade.- respondeu o delegado. 
   -Malditos ciganos! Eu devia imaginar!-disse Laércio, visivelmente transtornado.
   -Não se preocupe Laércio, o senhor vai ter justiça. Pessoal, quem vai com a gente no multirão?
   Formou-se assim o comitê de linchamento.
   Laércio, cansado demais para acompanhar toda aquela agitação enconstou em um canto na sala do capataz e dormiu sentado de roncar. Alguns operários, vendo a piedosa cena se enterneceram do homem que tanto sofria e fizeram um rateio para angariar dinheiro para o velório da criança. Então alguém acordou Laércio, deu-lhe uma xícara de café quente bem forte e anunciou o envelope como o arrecadado.
   -Assim a menina vai ter um enterro digno!
   Ele tomou um gole do café, suspirou profundo e acenou com um sorriso esforçado. Então pensou:
   "e  me livro dessa bicicleta velha e compro uma que funcione." Esse pensamento reconfortou-lhe, e para a tranquilidade dos presentes, conseguiu dar um sorriso verdadeiro, sincero, feliz.

Questionador com café


   Hoje tomei meu café da manhã fraco, doce, questionador. Fraco e doce eram qualidades do café. Questionador era a de quem o estava bebendo.
   A sensação de estar questionando sempre me vem quando sonho com algo esquisito e diferente, aquele tipo de coisa que no sonho parecia ser certa e lógica, mas que quando acordo pareço discordar como se nada fizesse mais sentido.
   É como ver algo belo sem os óculos fortes para miopia, e descobrir feiura em seus detalhes quando se coloca o óculos novamente.
   Mas nessa minha analogia, ainda não descobri qual é o estado em que se vê tudo focado do jeito certinho, o de vigília ou o de sonho.
   Por isso a sensação de questionador ao tomar meu fraco café adocicado nessa manhã.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Erros e dor. Fé e perdão. Amor então, enfim.

Melancolia, por não poder lutar, sentir e não poder ao menos suportar uma dor indizível que vem de um âmago de um ser que quer de qualquer forma, não ser.
É triste ver alguém tão perto chorar, e saber que parte metade ou parte completa da culpa está lá, quando entrando no banheiro se olha no espelho e num absurdo se vê.
O que pode fazer, se não pode fazer, nem sabe lutar porque não tem a força e o tônus que se vê aqui e ali na tv de saber ao certo as palavras corretas e num gesto homérico de aptidão às difíceis causas da vida olhar bem nos olhos da pessoa amada que está quase perdida e dizer as certeiras palavras de perdão.
Mas aí vem a questão, desculpas pelo que, se apesar de acusado, réu e culpado, ou outro termo qualquer, que queira então dar-se a si, não tem mesmo noção de sobre qual mesma é a fatalidade que causou você enfim, para que toda a situação chegasse ao fatídico ponto em que fez com que você praticamente visse sobre suas franjas levantadas no espelho a maldita marca de Caim fronte adentro?
Não mais resta lamentar, o que precisa fazer é manter a calma e quem sabe, esperar, parado um tempo sem fim, até que toda a poeira do mundo se abaixe, e você, solitário e confuso possa enfim, saber as opções e caminhos que restaram então.
Força companheiro, que apesar dessa luta ser só sua, vários outros a lutam, lutaram e certamente a lutarão. Não está só quando pensa que as mágoas e dores causadas unicamente por você também foram unicamente causadas por infinitos outros alguéns.

Amor. E fé. Errar, aprender, seguir em frente, sentir então a paz por não abandonar. Seguir. Fé. Amor.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Elementos de um conto balanceado


Se você quer escrever um bom conto, ou short story como dizem os anglófonos, deve começar por uma balanceada. Existem cinco elementos para se contar uma estória. Estes cinco elementos são os blocos construtores da estória em si, e se você focar em um desses elementos em demasia pode desequilibrá-la e deixá-la fraca. Esses cinco elementos são:


  1. Ação. O que sua personagem está fazendo?
  2. Diálogo. O que elas estão dizendo?
  3. Descrição. O que elas estão vendo, ouvindo, tocando, degustando ou mesmo cheirando?
  4. Diálogo interno. O que elas estão pensando?
  5. Esposição/Narrativa. Quais outras informações o narrados (i.e. você) quer que nós saibamos? 


fonte: Bunting, Joe. Let's write a short story. ebook published in 2012 by The Write Practice

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Advertência sem conteúdo plausível

O que quer saber sobre mim? O que acha que pode descobrir sobre mim? Não creio que vá ter sucesso, se não souber observar os detalhes. Porque tudo aqui são enigmas, e esse ramalhete que carrego nas mãos não contém flores, mas uma espingarda. Aqui amigo, você é refém da minha ilusão.

Pra que se ouse peço que decida!

Precisamos tomar uma decisão. Qualquer uma que seja, porque alguém está tomando por nós. Veja os lírios, veja as margaridas nesse jardim lindo que é coisa de pousar anjos. Quem foi que mandou plantar margarida, samambaia, avenca, capim-santo no sopé? Se não tomamos a decisão, alguém tomou ela por nós. Eu estava andando na rua, vi uma faixa vermelha meio marrom, que corria um quarto de rua por toda uma vasta extensão. Queria o que aquela faixa, que saia do cruzamento do nada e ia até a ponte do lugar nenhum? Não sei se mesmo intentava querer, o que importa mesmo é que a placa dizia ciclofaixa e agora temos um lugar, meio que sem sentido, para depositarmos nossas bicicletas e sair andar por aí. Tudo bem que não e funcional, afinal de contas, bicicleta nunca foi meio de transporte no Brasil, bicicleta é brinquedo, então as ciclovias são faixas longas que chamaram de solução para calar a boca de argumentos em manifestação. Todo mundo gritou, ninguém decidiu, então veio um outrem e sozinho tomou decisão. É assim rapá, se você cuida do seu nariz, o nariz tem um dono, se não cuida do seu nariz, alguém é dono de você. A vida é um desvario, mas não significa que deve ser abandonada ao bel prazer como o nau à deriva. Porque aos moldes do grande oceâno, os perigos são imprevisíveis para aqueles que não traçam rotas e fazem provisões. E isso te deixa uma mensagem clara, que seu não cuida de vossa pessoa, o perigo acaba sendo você às outras pessoas. Acha que não, pois veja que as maiores picardias são desastrosamente executadas por uma entidade irresponsável. Não precisa ser insano o cidadão, ser serial killer ou homem-bomba: basta tomar uma dose ou duas de cachaça e mostrar para aquela menina que estava paquerando do outro lado da rua como é um valente rachador no volante. 
Zero a cem em dez segundos, uma virada no volante errada, uma freada brusca super derrapante e em quinze minutos você acaba de matar vinte pessoas num ponto de ônibus. Pronto, virou bandido em coluna policial! Você não quis decidir sobre seu caminho na vida, a imprensa marrom decidiu seu escárnio através de uma fictícia maldita sua vida pregressa. Horríveis palavras, eu sei, não quero simplesmente chocar você ou ele ou a nossa geração. Tudo o que faço nesse linguajar rocambólico e sim chamar atenção. Essa dita pelo fato de que, se você não tomar uma decisão, uma decisão toma você, da noite pro dia, de supetão. A vida é feita de escolhas, chapa, e seria bom para variar você se prestar a estar no controle da situação. Ação, luz, câmera. O palco está montado, a câmera está gravando, agora só te falta atuar. Ou quer que eu de a deixa pra você? Tá bom vou soprar. A casa tá caindo. Sim, comece por aí, a entrar em pânico, ter medo e ansiedade. Porque brasileiro é assim, leva assuntos sérios na calma, com tranquilidade e bom humor. Roubaram naquele lugar ali e não pegaram o ladrão, tudo bem, um dia pega. Pegaram, mas não prenderam, tudo bem, um dia prendem. Prenderam mas soltaram, tudo bem, vai ver ele nem era mesmo culpado. Agora aquele cara te fechou no trânsito, merda, buzina pra ele, tenta alcançá-lo, vamos que eu desço do carro junto com você para encher-lhe de sopapos. O curintia perdeu, vou pro buteco pra dar tabefe em quem ousar me tirar. O parmera ganhou, vou quebrar tudo porque eu preciso da porra do comemorar. Ah, moleque, que coisa feia esse pensamento torto que é o nosso. Se acalma nas horas erradas, se irrita nas horas terríveis. Será que a gente faz isso por que sempre quis assim? Não, acho que não, acho que por simples que pareça, parece que decidiram pela gente que brasileiro é povo pacato e tipo gente de bem, não liga pra política ou religião desde que não mexam com a mulata dele na praia nem lhe acabe o prato do feijão. 
Pode até subir o preço da leguminosa ou cair a bunda da devassa, mas seguindo os padrões do não fazer nada radical pra não assustar. Brasileiro não gosta de susto, e isso faz com que ele meio que parta pro reage, e então quem decide mesmo pela forma de agir do povo meio que não deixa ele ser pego assim tão tão com as calças arriadas na mão. É preciso agir, é preciso lutar, é possível ousar, é passível de mudar, basta querer, basta sentar um dois, três vizinhos, um mordomo, dois porteiros e um meio-irmão, e como se estivessem na roda de samba se unir e discutir a situação. Acho absurdo que assunto sério não vá pra mesa da cozinha, além da feijoada e do você. Isso não sei se é do português, do americano, do militar ou do senhor-presidente-mãe-dos-pobres, o importante é que é um tá que tá e que precisa meio que rápido de se mudar. Penso assim. Decidi pensar assim. É o meu direito, direito de um normal cidadão do povo, leitor de livro de sebo e bebedor de cerveja em boteco de esquina. Então decidido, deixei também escrevido, que é para assim espalhar opinião. 
Porque escritor tem dever de defender ideia, proteger um ponto de vista, propagar uma opção. Creio que o que queria ter lhe dito já esta nesse ponto por escrito, e resta a frase final, a que serve pra marcar o texto, como mote, moral ou conclusão. Peço que não se esqueça que a vida é dura, mas muito mais feito de pedra é um homem com faca e queijo na mão. E esse homem existe é você, só basta você que veja isso, e saiba disso dos segundos que se passam de agora até o seu momento final, amanhã, semana que vem, ou em um eterno ano-luz de conclusão. Mas tudo começa assim, de leve, com uma premissa, que deriva tudo do que por si só vai acontecer: frase final, qual é a sua, velho, a sua próxima decisão?

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Mais amor, menos reunião

Reunião, conjunto de pessoas, unidas por um fim comum. Aglomerado? Agregado comunitário, sociabilidade, obrigação? Não. Reunião não põe pão. Aqui as coisas vão e vem conforme as ondas que já vinham e voltavam ontem ou a meses atrás. 
Nada muda em uma reunião, só amplifica. Mal humor, ansiedade, desespero, desinformação. Alguém denuncia intrigas na reunião. Outro insiste, coage, propina, precisa de asseclas, precisa de participação. Mas para que seu lado mais forte prevaleça suas condições egoístas de impositor. 
Imposição, está aí uma boa palavra que sempre rima com reunião. Vamos comunicar novas regras, novas rotinas, novos horários de atendimento, uma nova ordem de demissão. 
Em massa, individual, quem sabe, está vindo aí uma nova onda, que a nova ordem é cortar gastos, tudo aqui é alto custo. 
O chefe anterior extrapolou, as metas não foram cumpridas, muita coisa que era pra rolar foi pro funil. 
Qual esperança, quem falou em confiança, a ordem do dia é desapego, é trabalho gratuito voluntário, é força tarefa pra empenho no sábado. 
Quem disse que coisa boa aparece quando um amontoado de gente que tem medo uma das outras se aglomera em um cantão. 
Que negócio floresce quando o pior pesadelo é agora o melhor amigo de qualquer pessoa? Um desastre, um cataclismo, Armagedom, mudança de planos, plano b, sem plano algum, o plano agora é montar currículo para mandar mercado afora. Sigilo total, segredo é o mote em qualquer situação. 
Ouviu burburinhos, alguém disse algo que parece que é quase certeza, parece que tudo não passa de ilusão, miragem, mágica, alucinação. 
Ninguém sabe a extensão do prejuízo, ninguém sabe quem errou primeiro, se veio de cima ou de baixo, se cortaram a cabeça da diretoria ou a pancada é pra quem tem RG número par do setor. 
Não adianta, não estressa, respira fundo, olha o coração. 
Três pontos de safena ano passado, já bati um carro, arranhei a van de um terceiro, uma não mas três multas, vinte e cinco pontos na carteira, tudo pelo horário, o maldito relógio, razão mor e pai de todos os atrasos. Vamos ser objetivos. 
E por falar em objetividade, vou contar uma história muito engraçada. É sobre meu filho, aconteceu na escola, ou então é algum vídeo engraçado que eu vi. 
Sim, aquele que vocês também viram, mas vão ter que escutar, afinal sou o chefe, e a vida de vocês me pertencem, pelo menos durante as oito horas seguintes, se não formos contar as horas extras caridosamente doadas e contabilizadas como trabalho voluntário. Como se existisse altruísmo na escravidão. Reunião, conjunto de pessoas, unidas por um fim comum.