terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Como amar em tempo de chuva




É tempo de chuva nas ruas molhadas, escuras, mesmo estando tudo sendo observado pelo sol da tarde que de longe tudo vigia.

Estava eu na cama, ou no sofá, não posso detalhar com toda aquela letargia; o fato é que não tinha eu dado passo definitivo para tomar ação alguma naquele domingo ainda sem o café matinal.

Levanto nu em pelo e passeio pressentindo o misterioso e sigo por ignotos caminhos e por corredores que não me são de todo conhecidos até o que julgo ser meu objetivo final, a mulher senhora deste apartamento que maternalmente vai garantir minha alimentação.

Sigo o faro do vapor do arroz, aroma do alho refogado e dos bifes estalando em dois dedos de azeite e após esquerdas e direitas em móveis escuros e antiquados, paro um minuto em uma mesa de escritório que encontrei logo ali para ler um manuscrito posto ao lado da sua pena criadora.

É um poema de amor, e é uma mulher livre quem escreve suas linhas, dizendo como é feliz nas entranhas por ter todo dia dentro de si a expectativa de poder amar um novo alguém.

Sorrio e aperto o papel entre os dedos, sentindo a carícia sutil de um negro animal de pelos duros e quentes sobre minhas canelas.

Olho pra baixo e sorrio ao reconhecer o gato magro que ontem vi de relance, poucos minutos depois de adentrar nessa alcova cálida pela primeira vez.

Deixo o papel na mesa, pego o felino no colo e com meus dedos enfurnando em seu morno ronronar, ando alguns passos silente, cruzando roupas esticadas em um varal cheirando a amaciante e anil.

Gosto da tessitura gélida dos tecidos umedecidos sobre meus rosto enquanto avanço, e fecho os olhos caminhando para que a suavidade penetre em todo seu flavor o meu sentir.

Cruzo a última das peças daquele fresco obstáculo e então o brilho que entra nos meus olhos por entre as pálpebras desenha a silhueta daquela que chamo de meu amor.

Linda, branca e esbelta, manipula utensílios e colheres com seu queixo apontando as panelas de forma delicada, quase uma pintura da própria Vênus em nascimento dentre as brumas do mar sem fim.

Distraída entre seus temperos e mexidas e salteios de objetos, levanta as sobrancelhas num belo sorriso de lábios fechados e me observa de canto de olhos, tão linda e bem desenhada que não tenho dúvidas de que as mulheres são feitas quase sempre das pétalas de uma flor já há muito extinta de triste cor.

Então deixo o gato descer do colo, e inclinado pelo trato do bicho aproveito o movimento amplo e subo as mãos em suas belas pernas macias, que não apresentam resistência aos meus afagos, senão incrivelmente apenas por um grande camisetão com fragrância de um antigo sono bom.

Subo suas coxas, descobrindo seu quadril em curva perfeita, e num passo preciso de tango encaixo-me entre suas escápulas abraçando-a vigorosamente com meus pulsos postos em cruz.

Meu nariz fica em seus cabelos, sedosos, devo logo dizê-lo, e quando inspiro sinto morango, framboesa e frutas frescas em um bosque de chuveiro quente de algum tempo antes do meu acordar.

Balbucio coisas bobas, talvez um elogio sobre seus cílios ou a maciez dos seus joelhos.

Ela sorri e diz que o almoço já vem, e que se eu for paciente e cooperativo, talvez ganhe uma sobremesa mais que recompensadora para os lábios mais exigentes.


Faço cara de interrogação, e ela prontamente pega minha mão, e levantando sua camiseta, posiciona-a bem apertada contra sua virilha, lisa, quase tão lisa quanto macio pode ser um chiclete de bola Babaloo.

Então, sussura esfregando seu pescoço em minha barba por fazer... "estou quase pronta, tão pronta, que não sei se vai dar tempo de te servir"... meu membro fica excitado quando percebo o lubrificar efusivo e repentino na minha mão aprisionada, que mal tenho tempo de desligar as panelas enquanto ela se entorce no seu eixo para me encher de beijos, língua e gemidos que nunca dantes navegante havia ouvido de boca feminina alguma.

Revidei com um pegar no colo ajeitado, e fazendo caminho diferente por outros amplos corredores, fiz ela de projétil em um velho sofá de couro que testemunhava meu aleatório cambalear.

Ela me recebeu com membros ágeis, e com atos e gestos certeiros e apaixonantes chegamos finalmente no nosso inevitável êxtase carnal.

Estremecimentos, empasmos, fluídos e um relaxar calmante de músculos culminou no depósito dos nossos corpos suados paralelos no sofá largo, escuro, experiente em assentar pessoas mas definitivamente ingênuo daquela insólita demonstração de paixão entre dois corpos movendo-se na horizontal.

Ficamos parados, suspensos, respiração ofegantes, até o silêncio total.

Quebrou ela o silêncio com uma gargalhada profusa, que acabou sendo acampanhada pela minha, mais porque fui contagiado pela sua alegria que pelos seus motivos reais.

Então ela disse algo sobre seu filé, amaciado em uma receita secreta de família ter virado agora uma sola de sapato, e que o melhor que podíamos fazer seria transformá-lo em pedaços e fazer dele um mediano canapé.

Sola de sapato vira canapé... repetia entrecortada em engasgos do seu riso efusivo, até que sem ar parou com olhos fechados e grande boca perfeita em posição de dormir.

Mas era só fingimento, e do nada se  vira criança para mim e pergunta infantil, que faremos da tarde daquele manhoso domingo?

Penso no mar, no mundo, nas nuvens de um céu de chuva que aceitam alegres pássaros cheios de ousadia e primavera e então minha mente vai para o cosmos, o universo, para só então voltar ao lado dela no sofá.

Ela pergunta curiosa e careteira: que está pensando, criatura?

E eu contente, aliviado com a existência da vida e do que ela proporciona, digo pausado, calmo, mas definitivo: "A tarde já está sendo feita, querida. Aqui e agora, em nós."

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